terça-feira, 16 de outubro de 2012

Cacaso - Cinema Mudo

CINEMA MUDO

I

Um telegrama urgente
anuncia a bem amada
para o século vindouro.
Arfando diante do espelho
                           principio
a pentear os cabelos.
O oceano se banha nas próprias águas.

II

Acordei grávido e uma dúvida
dilacera minhas partes: quem seria a mãe
                          de meu filho?
Demônios graduados me visitam
enquanto retoco para a posteridade
a maquiagem do arco-íris.

III

Vejo seu retrato como seu eu
já tivesse morrido.
Grinaldas batem continência.
Livre na sua memória escolho a forma
que mais me convém: querubim
                       gaivotas blindadas
suave o tempo suspende a engrenagem.
Do outro lado do jardim já degusto
os inocentes grãos da demência.

IV

Neste retrato de noivado divulgamos
os nossos corpos solteiros.
Na hierarquia dos sexos, transparente,
                               escorrego
para o passado.
Na falta de quem nos olhe
vamos ficando perfeitos e belos
                   Tão belos e tão perfeitos
como a tarde quando pressente
as glândulas aéreas da noite.


Trago comigo um retrato
que me carrega com ele bem antes
de o possuir bem depois de o ter perdido.
Toda felicidade é memória e projeto.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Safo de Lesbo - A uma mulher amada

A uma mulher amada
 
Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr
de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.

Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro ... eu tremo.